sábado, agosto 09, 2014

Enfeitiçado (L.F.Riesemberg)



Um jantar a dois. Há quanto tempo não tinham isso! Natan exibia os olhos cansados, demonstrando que dormia mal há dias.
-Finalmente, hein, meu amor! – disse para a esposa, enquanto brindavam com a taça de vinho.
A mulher sorriu, pois intimamente estava satisfeita que ele estivesse tendo esta noite de descanso. O filho do casal estava com quase um ano de idade, e eles não tinham um tempo sozinhos desde antes do nascimento.
-Como pode ele ser tão terrível?
-Quem? – perguntou a jovem mulher, já sabendo a resposta.
-O Júnior! Nossa, eu nunca imaginei que seria tão difícil ter um filho. É tanta coisa para se preocupar...
Natan lembrou-se de antes do bebê nascer: era outra vida, que não voltará. Naquele tempo, o casal podia ir aonde quisesse, a qualquer hora. Hoje já não tinham tempo para nada daquilo. A criança exigia tanto deles, que mal podiam lembrar como era estarem livres dessa responsabilidade. Nunca mais haviam tido um dia de romantismo. Ao contrário: suas rotinas só incluíam fraldas, choros, mamadeiras e noites sem dormir.
A cada semana, parecia que as dificuldades aumentavam. Quando o bebê começou a engatinhar, suas preocupações triplicaram.
Mas tudo isso, além do fato da criança ser muito ativa e bagunceira, não era a maior preocupação de Natan. Ele não havia comentado com ninguém, nem com a esposa, mas notara algo estranho no filho. Talvez fosse em seu olhar, mas também podia ser a energia que emanava dele, como uma aura. O pai nunca havia passado muito tempo com outras crianças, e por isso não sabia se era normal. Aquilo o incomodava, principalmente naquele momento em que estava longe do menino e não podia saber o que ele fazia.
A jovem notou uma preocupação no semblante do companheiro e quis saber o que era.
-Nada, não. Vamos aproveitar nossa noite a sós – dissimulou o marido.
Eles finalmente tinham adquirido confiança para deixar o filho com a madrinha, e tomaram todas as providências para que ela não tivesse nenhuma dificuldade. Mas agora que estavam curtindo aquele momento com o qual sonhavam há meses, havia algo incômodo no ar.
Natan pensava no filho como um pequeno feiticeiro, que podia dominar todos à sua volta. O pai, que tanto abdicou desde que soube da gravidez, admirava-se com o quanto o menino havia o feito se transformar. E. numa daquelas revelações em que nos damos conta de algo surpreendente que estava debaixo do nosso nariz, ele concluiu: Estava enfeitiçado! Talvez possuído! E tudo começou depois da chegada do bebê.
Seu coração já estava disparado, uma gota de suor escorria pela testa e ele não achava um jeito confortável de permanecer naquela cadeira.
-Meu amor, me desculpe, mas temos que ir embora – ele disse de súbito, sem conseguir disfarçar.
A mulher ficou ainda mais assustada com o comportamento do esposo.
-O que foi, querido? Não vai esperar a sobremesa?
Era mais forte que ele. Não tinha como negar a si próprio, e nem conseguiria evitar dizer para a esposa. Era um sentimento insuportável, e precisava ser resolvido naquele instante. Ele já estava se levantando quando confessou: “É sobre o nosso filho”, fazendo sinal para o garçom trazer logo a conta.
-O que há de errado com ele? – disse a jovem, mais que preocupada.
-Ele fez algo comigo, e agora estou sentindo uma coisa muito forte aqui dentro. Preciso resolver isso agora mesmo.
-Você está sentindo o que, Natan?
O pai olhou bem no fundo dos olhos dela.
-Saudades dele.

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